Era sobre a alma que queria escrever. Algo profundo e delicado...
Roçou as palavras. Esperou uma sugestão no sussurro do vento. Olhou para o céu com um apleo suplicante. Viajou no tempo. Esqueceu as perguntas. Silenciou...
Voltou a ser o que era antes de se tornar ela mesma. Viajou na velocidade da luz, expandiu-se, confundiu-se, misturou-se, tornou-se uma... Tornou-se toda!
Experimentou o silêncio e a plenitude da vida. Desmanchou-se... Escorreu... Flutuou...
Abriu os olhos, lentamente, o corpo leve a alma viva!
Fechou o pequeno caderno e transbordou...
É estranho como a gente acumula de tudo no coração: raiva, inveja, ódio, rancor... E quase que não sobra espaço para guardar o que é bom!
Toda pessoa deveria poder se sentar na areia da praia, numa manhã de verão, e ter contato com a magia de um amanhecer.
Eu gosto de me sentar na areia de manhã e, quando a primeira centelha de luz surge de dentro do mar é lindo de se ver... O sol subindo vai pintando de dourado tudo o que toca. Vem correndo pela água mansa, se esparrama pela areia e vai chegando pertinho da gente... Sobe pelos pés até chegar no coração!
Eu gosto de ver como a areia brilha com a luz da manhã, parecem minúsculas chamas reluzindo à minha volta. A vida vibra em manhãs assim...
Eu gosto de manhãs assim, onde posso flutuar livre como um pássaro, e quando chego lá no horizonte, onde sol e mar se tocam eu me encontro com a Criação em toda a sua imensidão...
Tem segredos escondidos nas noites de verão... Só os que acordam cedo e tem olhar apurado podem perceber... Sim, há um segredo em cada amanhecer!
Acordei com o som estrondoso do trovão...
Levantei aos trambolhões e corri até a varanda para ver a tempestade chegar. Abri uma fresta da janela para sentir as primeiras gotas de chuva tocando minha pele. Ela veio forte, intensa e imponente!
Na rua iluminada por lampadas amareladas pude ver as árvores dançando ao som do vento. Pequenas folhas desgarradas rodopiando em cÃrculos mágicos. Senti o cheiro da areia se misturando com a chuva...
Os relâmpagos e raios se intensificaram e, por um momento, o mundo silenciou, e a fúria reinou!
Pensei em pegar minha câmera e registrar aquilo tudo, mas pensei melhor e decidi que certas coisas a gente guarda na nossa própria gaveta empoeirada. Aquela gaveta que só a gente mesmo pode abrir, de vez em quando, e deixar arejar.
Enquanto raios corriam soltos pelo céu negro me ocorreu o quanto vivemos em um mundo efêmero e fugaz. Não guardamos mais as lembranças, elas ficam esquecidas em uma postagem digital. Podem até render uns likes ou comentários fúteis, mas se vão, viram lembranças esquecidas...
Por isso decidi pegar meu diário. Sim, eu tenho um diário e acho que todo mundo deveria ter um também.
No meu diário, escrito a lápis, tem histórias mágicas de tempos findos.
No meu diário, escrito a lápis, tem letra borrada e torta traduzida em palavras de angústia ou alegria de momentos guardados em folhas amareladas.
No meu diário, desenhado a lápis, tem imagens únicas. Ilustrações que dispensam legendas e que só eu posso traduzir...
E foi assim, que nesta madrugada de tempestade, guardei para mim em meu baú de recordações a magia da tempestade em letra e imagem para que eu possa qualquer dia desses acordar durante a noite e sentir o cheiro da areia molhada que rabisquei na folha borrada do meu pequeno diário.