O chuvisco que escorria do céu branco era incessante. Enquanto observava as pequenas gotÃculas sopradas pelo vento, meu hálito desenhava manchas brancas na vidraça fria.
Fiz um pequeno desenho, nesta nuvem de vapor sintetizada no vidro, e fiquei observando-a até desaparecer.
Não sei dizer por quanto tempo estive ali, neste estado de ausência. E seria contraditório dizer o quanto estava presente nesta minha ausência.
Estar fora, nem sempre é não estar presente. E observar a vida é o que mais tenho feito!
Esta noite eu sonhei com a paz...
Sonhei que a esperança se espalhou feito doença
Nenhum especialista descobriu a cura
e o mundo todo se contaminou...
No meu sonho as crianças acreditavam no futuro
Não havia drogas, violência, nem muros.
A guerra foi condenada
e ninguém mais lutou.
No meu sonho cada nação
se abraçou como a um irmão.
A fome foi banida
e por nenhuma pessoa mais sentida
No meu sonho meu corpo flutuou
e, lá do alto, alguém me mostrou
o mundo girava em harmonia
Os sorrisos foram renovados
como a aurora da primavera.
E todos entenderam:
Nascia uma nova Era...
Há belezas por aÃ
Já vi muitas
Estão escondidas por todo lugar
No sopro do vento
Nas ondas do mar
Na areia quente
Na luz do luar...
Logo depois do almoço parti para mais uma consulta.
Juntei toda a minha dor em um pequeno envelope. Antes de fechá-lo, porém, fiz um pequeno inventário: raio-x, exames de sangue, receituários, encaminhamentos... Todos os quatro meses de dor estavam devidamente acondicionados dentro do pequeno envelope pardo.
Ao terminar dei um profundo suspiro e segui, um pouco mais arqueada que o habitual. Na bolsa carregava o pequeno envelope pesando feito chumbo.
Já na sala de espera entre cheiro de remédios e medo, sussurros e histórias doloridas que vinham de bocas enrugadas, desdentadas e sofridas... Tentei me afastar. Concentrar a mente em outro lugar onde a tristeza e a dor não existam, um lugar onde o tempo não importe e onde a liberdade seja tanta que o corpo não mais exista.
O barulho da chuva, caindo lá fora, me transportou por um mundo de paz e entorpecimento. Não sei se fiquei assim quieta por minutos ou por horas, perdida na visão dela... No doce som de água que fluÃa...
Ao ouvir o chamado do meu nome a imagem se desfez em pedaços, como um sonho quando a gente desperta.
No consultório entre apertos e gemidos saà com meu envelope um pouco mais pesado, mas com a alma muito mais leve...
Pois eu sei da verdade... Eu experimentei a liberdade!